Gênero como Aspecto Hierárquico na Obra "O Segundo Sexo"de Simone de Beauvoir
O conceito de gênero, entendido como uma construção social, desempenha um papel
fundamental na acentuação das distinções entre indivíduos de sexos diferentes. Essa
classificação permite a formação de significados sociais e culturais que diferenciam cada
categoria anatômica sexual, sendo transmitidos aos indivíduos desde a infância (DEZIN, 1995).
Assim, o gênero abrange as “características psicológicas, sociais e culturais que estão
fortemente associadas às categorias biológicas de homem e mulher” (DEAUX, 1985).
A partir dessa perspectiva, homens e mulheres assumem papéis diferenciados na sociedade,
revelando, ao longo da história, um falso poder masculino em detrimento do feminino. A figura
masculina é frequentemente associada à força e ao papel de provedor, enquanto a mulher é vista
como frágil e dócil. Essa construção social é perpetuada por estereótipos de gênero que têm
suas raízes nos primórdios da civilização, quando aspectos como trabalho, vestimenta e
comportamento eram considerados “adequados” de maneira distinta para cada gênero “isso é
de menino e aquilo é de menina”.
A filósofa francesa Simone de Beauvoir, em sua obra "O Segundo Sexo", publicada em 1949,
afirma que “não se nasce mulher, torna-se mulher”, destacando a imposição do papel da mulher
na sociedade contemporânea. Desde a infância, a mulher é lembrada de seu papel como
reprodutora, sendo seu corpo o único capaz de exercer essa função. Consequentemente, tarefas
como cuidar da casa e dos membros da família são atribuídas a ela, enquanto aos homens são
reservadas funções como trabalhar, dirigir, sustentar a família e consumir bebidas alcoólicas,
comportamentos que muitas vezes não são aceitos quando praticados por mulheres, sendo
considerados inadequados.
Em cada uma de suas páginas, Simone de Beauvoir dedica-se com rigor e inteligência a
demonstrar que a imagem da mulher, construída ao longo dos séculos como símbolo de beleza,
pureza, perfeição, virtude e amor maternal, não passa de uma armadilha para a contínua
submissão e temor ao homem. A mulher, assim concebida, é enredada em uma farsa. O livro é
dividido em dois volumes: no primeiro, a autora analisa os mitos associados à mulher, que, desde
os tempos pré-históricos, ocupou um papel secundário (semelhante ao das crianças) devido à
sua fragilidade na busca por alimentos e na luta pela sobrevivência. Mesmo com o passar do
tempo e da história, o papel da mulher pouco se modificou. No segundo volume, Beauvoir se
volta para relatar as experiências femininas, tecendo críticas à sociedade patriarcal e expondo
de maneira minuciosa as opressões enfrentadas pelas mulheres.
Atualmente, as discussões sobre gênero se expandem para incluir questões de identidade de
gênero e orientação sexual, desafiando as categorias binárias tradicionais. O movimento
LGBTQIA+ tem trazido à tona a necessidade de uma compreensão mais inclusiva e diversa das
experiências humanas, destacando que o gênero não é apenas uma questão de homem e
mulher, mas uma construção complexa que abrange uma variedade de identidades. Essa
evolução nas discussões de gênero reflete uma crítica contínua às normas patriarcais e à
opressão sistêmica, que ainda se manifestam em diversas esferas da vida social, política e
econômica.
A luta pela igualdade de gênero e pela desconstrução de estereótipos é um caminho repleto de
desafios, mas também de oportunidades para transformação social. Cada passo dado em
direção à equidade não apenas empodera as mulheres, mas também enriquece toda a
sociedade, promovendo um ambiente onde todos, independentemente de gênero, possam
expressar suas identidades e potencialidades plenamente. Ao abraçarmos a diversidade e
celebrarmos as diferenças, construímos um futuro mais justo e inclusivo, onde o respeito e a
dignidade são valores fundamentais. Que possamos continuar a lutar por um mundo onde cada
voz é ouvida e valorizada, contribuindo para a criação de uma sociedade verdadeiramente
igualitária.
O destino traçado para a mulher, ainda presente nos dias de hoje, é o de dona de casa,
reprodutora, submissa e frágil, a famosa "bela, recatada e do lar". No entanto, a luta por
igualdade de gênero e a desconstrução de estereótipos continuam a ganhar força, com
movimentos sociais desafiando as narrativas tradicionais e buscando um espaço mais equitativo
para todas as identidades de gênero. Essa resistência é fundamental para a construção de uma
sociedade mais justa e inclusiva, onde todos possam viver plenamente, livres das amarras das
expectativas sociais limitantes.
Autoras
Maria Dreher e Kelma Morgana